Por Que Deus Permite o Mal?


Falar sobre o mal nunca é confortável, especialmente quando não estamos olhando para teorias, mas para a dor real que toca nossas vidas. O sofrimento, a injustiça, as tragédias e as lágrimas que mancham a história da humanidade levantam uma pergunta que ecoa há séculos no coração humano: Se Deus é bom, se Deus é amor, se Deus é todo-poderoso... por que então o mal existe? Por que Ele permite o sofrimento?

Essa não é uma pergunta nova. Ela atravessa séculos, surge nos escritos dos pais da igreja, nos debates dos grandes filósofos, nas lágrimas dos sofredores e até mesmo na boca de quem já se sentiu abandonado por Deus em meio às dores da vida. Jó, o homem justo das Escrituras, foi talvez o primeiro a verbalizar essa angústia de forma intensa. E Deus, longe de ignorar essa pergunta, a permite. Aliás, Ele não a evita. A Bíblia não mascara a existência do mal, do sofrimento e da dor. Pelo contrário, ela trata desses temas com uma honestidade brutal e, ao mesmo tempo, cheia de esperança.

O Mistério da Liberdade

Quando olhamos para as Escrituras, entendemos que Deus criou o ser humano à Sua imagem e semelhança. Parte dessa imagem é a liberdade. Um amor que não pode ser escolhido livremente não é amor — é programação. E para que o amor exista, é necessário que haja escolha. O livre-arbítrio é um presente divino, mas também um risco real.

Santo Agostinho argumentava que o mal não é uma substância criada, mas uma corrupção, uma ausência do bem. Ele dizia que o mal não tem existência própria, mas é como um buraco na madeira: não é algo, mas a falta de algo — no caso, a falta do bem, a ausência de Deus. A partir do momento que seres livres decidem se afastar da vontade de Deus, o mal entra no mundo. E foi isso que aconteceu no Éden. Quando o homem escolheu rejeitar a soberania divina, abriu as portas para o caos, para o sofrimento e para a desordem.

Deus, portanto, permite o mal porque permite a liberdade. Mas isso não significa que Ele seja o autor do mal. Permitir não é o mesmo que desejar. E aqui está uma distinção crucial. Deus permite o mal, mas não o produz. Ele tolera o mal por um tempo, mas não compactua com ele.

O Mal Não é o Fim da História

C.S. Lewis escreveu que "o sofrimento é o megafone de Deus para acordar um mundo surdo". Em outras palavras, muitas vezes é no vale da dor que a humanidade finalmente levanta os olhos para o céu. O sofrimento tem, em muitas ocasiões, a função de nos deslocar da ilusão de autossuficiência e nos conduzir à busca por Deus.

No entanto, isso não quer dizer que toda dor tenha uma explicação imediata ou compreensível aos nossos olhos. Há sofrimentos que nunca farão sentido deste lado da eternidade. Deus não nos prometeu respostas para todas as perguntas, mas garantiu Sua presença em todos os desertos. Jesus, o Deus encarnado, não ficou distante do problema do mal. Ele entrou nele. Chorou, sentiu fome, foi traído, injustiçado, torturado e crucificado. E ali, na cruz, temos a maior resposta divina ao problema do mal: um Deus que sofre conosco e por nós.

A cruz é a resposta teológica definitiva ao sofrimento humano. Deus não é indiferente à dor. Pelo contrário, Ele assume a dor sobre si. Cristo foi rejeitado para que fôssemos aceitos. Foi ferido para que fôssemos curados. Foi condenado para que pudéssemos ser reconciliados. O mal não é o fim da história. A ressurreição prova isso.

O Soberano Que Redime Até o Mal

Romanos 8:28 nos lembra que “sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados segundo o seu propósito”. Isso não significa que tudo o que acontece é bom. O texto não diz que todas as coisas são boas, mas que Deus age em todas as coisas, inclusive nas más, para produzir algo bom no final.

Há uma soberania misteriosa em ação. Deus não é o autor do mal, mas também não é vítima dele. Ele é o Soberano que, de maneira muitas vezes invisível aos nossos olhos, trabalha para transformar caos em ordem, dor em crescimento, perda em amadurecimento e até mesmo morte em vida.

O exemplo da cruz é suficiente. O maior mal cometido na história — a morte do Filho de Deus — tornou-se o maior bem já oferecido à humanidade: a redenção. Se Deus pôde transformar a cruz em salvação, Ele também pode, de alguma forma que ainda não entendemos, transformar nossas dores em instrumentos de glória.

A Promessa do Fim do Mal

O mal não é eterno. Apocalipse 21:4 declara: “Ele enxugará dos seus olhos toda lágrima. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor, pois a antiga ordem já passou.”

O cristianismo não nega a existência do mal, mas promete que ele tem prazo de validade. A história da humanidade não é uma linha reta, mas uma narrativa que caminha rumo à restauração. Um dia, Deus fará novas todas as coisas. O mal, o sofrimento e a injustiça serão definitivamente extintos. Haverá justiça, haverá paz, haverá restauração.

Enquanto Isso...

Nos é confiado um chamado. Não somos espectadores do mal, somos agentes do bem. Somos chamados a ser luz em meio às trevas, sal em meio à corrupção, voz em meio ao silêncio da indiferença. Não podemos impedir todo sofrimento, mas podemos aliviar dores. Não podemos eliminar toda injustiça, mas podemos praticar justiça em nosso entorno.

E acima de tudo, somos chamados a confiar. Mesmo quando não entendemos, mesmo quando as respostas não vêm, mesmo quando o céu parece em silêncio. Porque o nosso Deus é aquele que, mesmo permitindo o mal por um tempo, prometeu que o bem vencerá no fim.


Conclusão

Por que Deus permite o mal? A resposta completa, talvez, só a teremos na eternidade. Mas até lá, podemos confiar naquele que não apenas observa o sofrimento, mas que se fez homem, sofreu, morreu e ressuscitou. O Deus que permite, por enquanto, o mal, é o mesmo Deus que prometeu vencê-lo definitivamente.

E quando nossos olhos se fecharem para este mundo, ou quando Ele vier nos buscar, saberemos, finalmente, que “os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória que em nós será revelada” (Romanos 8:18).


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