A Diferença entre Israelitas, Judeus, Hebreus e Samaritanos: Uma Perspectiva Teológica e Histórica
A compreensão dos termos israelitas, judeus, hebreus e samaritanos é essencial para uma análise aprofundada das Escrituras, especialmente ao tentar entender a identidade do povo de Deus ao longo dos séculos. Cada um desses termos carrega consigo uma bagagem histórica, cultural e teológica significativa, que se entrelaça com os momentos mais importantes da história de Israel, desde os tempos patriarcais até o período do Novo Testamento. Embora esses termos sejam frequentemente usados de forma intercambiável, eles se referem a grupos distintos dentro da história do povo de Deus. Neste artigo, examinaremos as diferenças entre esses termos, suas origens e como eles se conectam com a narrativa bíblica.
1. Hebreus: O Início de uma Jornada de Fé
O termo hebreu é o mais antigo e o mais genérico entre os quatro. Derivado do hebraico ‘ivri (עִבְרִי), que significa “aquele que atravessa” ou “o estrangeiro”, ele é usado para descrever os descendentes de Abraão, especificamente no início de sua jornada de fé. Abraão é considerado o pai dos hebreus e o iniciador da aliança com Deus. Essa aliança não se baseava em uma nação formada, mas em uma promessa pessoal entre Deus e Abraão, que se estenderia aos seus descendentes.
A palavra hebreu é, na maioria das vezes, associada aos patriarcas – Abraão, Isaque e Jacó – e à identidade primitiva de seu povo. No entanto, ela não descreve uma nação ou um grupo unido sob uma bandeira, mas, antes, se refere a indivíduos e famílias que estavam em movimento, sem uma pátria fixa. O termo aponta para os primeiros passos de um povo chamado por Deus para um propósito específico, no qual Abraão teria uma grande descendência que se espalharia pelo mundo.
A Bíblia faz uso do termo “hebreu” de forma tanto geográfica quanto étnica, para se referir a aqueles que faziam parte de um grupo nômade, sem um reino estabelecido, mas que, pela promessa de Deus, viriam a se tornar uma grande nação.
2. Israelitas: A Formação de uma Nação Sob Deus
O termo israelita está intrinsecamente ligado à figura de Jacó, o filho de Isaque, que, após lutar com um anjo, teve seu nome mudado para Israel (Gênesis 32:28). Israel, portanto, representa o povo de Deus, que, após a promessa feita a Abraão, se desenvolveu em uma nação. Os israelitas são os descendentes diretos de Jacó, sendo suas doze tribos as raízes das doze tribos de Israel. Quando os israelitas saem do Egito sob a liderança de Moisés, essa nação ainda estava em sua formação, recebendo as leis de Deus, o que a definiria como um povo peculiar, distinto de todas as outras nações.
Os israelitas são conhecidos por sua relação direta com o Deus de Abraão, Isaque e Jacó, por sua jornada do Egito para a Terra Prometida e por sua fidelidade, muitas vezes falha, à aliança divina. Eles passaram a ser conhecidos como o povo que seguiu as Leis de Moisés e a arca da aliança, uma manifestação tangível da presença de Deus entre eles.
A partir do período dos juízes, passando pela monarquia e pela divisão do reino em dois (Israel ao norte e Judá ao sul), o termo israelita continua a ser usado para se referir a todos os descendentes de Jacó até o cativeiro babilônico, momento em que o conceito de "Israel" começa a ser redimensionado, tanto fisicamente quanto espiritualmente.
3. Judeus: A Identidade Pós-Cativeiro e a Unificação Religiosa
O termo judeu surgiu com a tribo de Judá, uma das doze tribos de Israel. Após a divisão do reino de Israel em dois – o Reino de Israel no norte e o Reino de Judá no sul –, o termo judeu passou a se referir especificamente aos descendentes da tribo de Judá, que habitavam o reino do sul.
Contudo, foi durante o cativeiro babilônico (586 a.C.) que a identidade judaica ganhou uma dimensão mais profunda e religiosa. A destruição do templo de Jerusalém e a subsequente deportação para Babilônia marcaram um período de reflexão e reforma religiosa, no qual o povo judeu buscou preservar sua identidade e suas práticas. Quando os judeus retornaram à sua terra, após a Cisão do Reino de Israel, o termo "judeu" passou a se referir não apenas aos descendentes da tribo de Judá, mas a todos os israelitas que se mantiveram fiéis à fé monoteísta e às práticas religiosas.
A partir desse ponto, os judeus se tornaram o povo portador da fé em um único Deus, e sua religião, o judaísmo, passou a ser a base de sua identidade coletiva. Esse termo é frequentemente associado ao período pós-exílico e à organização religiosa que se consolidaria em torno da Torá, o templo em Jerusalém e, mais tarde, as sinagogas.
4. Samaritanos: A Marginalização e o Conflito Religioso
Os samaritanos são um grupo peculiar e frequentemente mal compreendido dentro da história do povo de Israel. Eles surgiram após a conquista assíria do Reino do Norte de Israel, em 722 a.C. Quando os assírios conquistaram Samaria e deportaram grande parte da população israelita, eles trouxeram pessoas de outras nações para ocupar a região. Com o tempo, esses povos estrangeiros se misturaram com os israelitas que restaram na terra, formando um grupo étnico e religioso distinto.
Os samaritanos mantiveram sua fé em Deus, mas com diferenças significativas em relação aos judeus. Eles aceitavam apenas os cinco primeiros livros da Bíblia (a Torá) e adoravam em Monte Gerizim, não em Jerusalém. Esse isolamento religioso e as diferenças práticas entre samaritanos e judeus geraram um profundo preconceito e hostilidade entre eles, como fica claro nos relatos do Novo Testamento, como o encontro de Jesus com a mulher samaritana no poço de Jacó (João 4).
Por mais que os samaritanos se considerassem parte do povo escolhido de Deus, os judeus os viam como hereges, devido à mistura de suas práticas religiosas e à adoração em um local considerado pelos judeus como ilegítimo.
5. A Influência do Cristianismo e a Reinterpretação das Identidades
O Cristianismo desempenhou um papel crucial na forma como as identidades de hebreus, israelitas, judeus e samaritanos foram reconfiguradas ao longo da história. No início, o cristianismo foi uma seita dentro do judaísmo, com Jesus e seus primeiros seguidores sendo judeus, mas com uma compreensão mais profunda sobre o cumprimento das promessas messiânicas. Isso fez com que a divisão entre judeus e cristãos se intensificasse, levando os cristãos a desenvolverem uma nova identidade, baseada na fé em Jesus Cristo como o Messias.
Jesus, em seus ensinamentos e interações, procurou romper as barreiras estabelecidas entre judeus e samaritanos, desafiando as concepções de pureza religiosa e enfatizando o valor de todos os seres humanos diante de Deus. Ele fez isso de maneira marcante, como por exemplo, ao conversar com a mulher samaritana no poço de Jacó, um ato extremamente controverso para a época, que demonstrava a abertura de Cristo para todos, independentemente de sua etnia ou origem.
Em diversas passagens do Novo Testamento, a ideia de que Cristo é a resposta para as divisões étnicas e religiosas fica clara. Paulo, em suas epístolas, fala frequentemente sobre a nova identidade que os cristãos recebem em Cristo, onde não há mais judeu nem grego, nem escravo nem livre, mas todos são um em Cristo Jesus (Gálatas 3:28). Isso reflete a ideia de que, para os cristãos, as distinções que uma vez separaram esses grupos não são mais válidas, uma vez que todos têm acesso ao salvador Jesus Cristo.
Com o tempo, à medida que o cristianismo se expandiu além dos limites da Palestina, as distinções entre judeus e outros povos, como os samaritanos, começaram a ser repensadas. A igreja primitiva começou a abrir espaço para a inclusão dos gentios, os não-judeus, e passou a enfatizar a universalidade da mensagem de Cristo. Isso, porém, não significou que as identidades históricas de israelitas e judeus se dissolveram. Em vez disso, elas passaram a ter uma nova compreensão, moldada pela fé em Cristo.
6. A Questão da Terra Prometida: Do Antigo Israel aos Dias Atuais
A terra de Israel sempre foi um ponto de disputa, especialmente quando se trata da reivindicação de judeus, samaritanos e outros povos que habitam a região. Para os judeus, a terra prometida a Abraão e seus descendentes continua sendo um símbolo de aliança com Deus e um ponto central de sua identidade. O retorno à terra prometida após o exílio babilônico e a destruição do templo foi um marco de restauração e reafirmação da relação do povo judeu com Deus.
No entanto, para os samaritanos, a questão da terra também é central, mas com um significado diferente. Como mencionamos anteriormente, eles ainda consideram Monte Gerizim como o local sagrado de adoração, e não o templo em Jerusalém. Esta diferença geográfica e teológica criou uma divisão ainda mais profunda entre os dois grupos, uma divisão que persiste em vários aspectos até os dias de hoje, especialmente em relação à disputa pela terra de Israel.
Para muitos israelitas modernos, essa disputa não é apenas uma questão geopolítica, mas uma questão de identidade nacional e religiosa. O Estado de Israel, estabelecido em 1948, é visto por muitos judeus como o cumprimento das promessas de Deus para o seu povo. Porém, a existência de outras comunidades, como os palestinos e os samaritanos, complicam a questão da terra prometida, criando um ambiente de tensão e conflito que ainda se arrasta ao longo dos séculos.
7. O Significado Teológico das Diferenças: Uma Unidade em Cristo
À medida que a história da salvação se desdobrava, as diferentes identidades de hebreus, israelitas, judeus e samaritanos foram tomando formas específicas. No entanto, a visão teológica que emerge da Bíblia é clara: todas essas distinções foram, de alguma maneira, reunidas em Cristo. No Novo Testamento, especialmente nos ensinos de Paulo, vemos que Cristo é a pedra de toque para todas essas divisões.
A carta aos Efésios nos revela a profundidade dessa união em Cristo: "Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos fez um, e derrubou a parede de separação que estava no meio, a inimizade" (Efésios 2:14). O que Paulo quer dizer aqui é que, para os cristãos, todas as barreiras entre os diferentes grupos étnicos e religiosos foram derrubadas por meio da obra redentora de Cristo. A unidade no corpo de Cristo não é apenas uma questão de harmonia espiritual, mas também de reconciliação de todos os povos com Deus e uns com os outros.
A vida de Jesus reflete a missão de reconstruir as relações entre os diferentes grupos que, ao longo da história, se viam como inimigos irreconciliáveis. Jesus fez isso não apenas com palavras, mas com ações: Ele curou samaritanos, ensinou que o amor ao próximo deve ultrapassar as barreiras étnicas e sociais, e estabeleceu que a verdadeira adoração a Deus não está restrita a um local ou grupo, mas é um ato de fé e espírito, em qualquer lugar.
Conclusão: A Unidade no Corpo de Cristo e o Chamado para a Reconcialiação
A história de Israel, a distinção entre hebreus, israelitas, judeus e samaritanos oferece uma rica tapeçaria de tensões históricas, teológicas e culturais que foram progressivamente reveladas ao longo das Escrituras. Desde os primórdios da nação de Israel até os dias de Jesus e os ensinos apostólicos, vemos que essas distinções, que poderiam facilmente alimentar o ódio e a separação, foram ressignificadas pela obra redentora de Cristo. A proposta de Jesus de reconciliação, como exemplificado nas Suas interações com os samaritanos e outros grupos marginalizados, nos desafia a repensar nossas próprias divisões contemporâneas e a nos aproximarmos de um espírito de unidade e acolhimento.
Paulo, ao escrever às igrejas do Novo Testamento, deixou claro que em Cristo todas as barreiras foram destruídas (Efésios 2:14), unindo judeus, gentios, e todas as etnias e raças em um único corpo. O cristianismo, portanto, oferece uma visão de um Reino de Deus onde as identidades nacionais e étnicas não são negadas, mas são integradas em uma nova identidade em Cristo. Não há mais separação, pois todos os cristãos, sejam de origem judaica ou samaritana, grega ou romana, são chamados a ser um só povo sob o Senhorio de Jesus Cristo. O apóstolo João, ao descrever a visão do Apocalipse, antecipa um futuro onde “toda a terra, de todas as tribos, povos, e línguas” estarão diante do trono de Deus, unidos em adoração (Apocalipse 7:9).
A compreensão teológica dessas diferenças não deve ser vista apenas como um exercício acadêmico, mas como um convite para praticarmos o que aprendemos em nosso cotidiano. Seguir os passos de Cristo é promover a paz, o entendimento e a reconciliação entre os povos, demonstrando que a fé em Cristo transcende as barreiras humanas. A questão da unidade no corpo de Cristo não é apenas uma doutrina a ser estudada, mas uma missão prática a ser vivida. Como cristãos, somos chamados a ser agentes dessa reconciliação, construindo pontes e não muros entre as diversas identidades, e refletindo o amor de Cristo, que derrubou todas as divisões.
Portanto, o estudo das identidades de hebreus, israelitas, judeus e samaritanos nos ensina não apenas sobre o passado, mas também sobre a necessidade de construir um presente e um futuro onde o amor e a unidade em Cristo sejam as bases das nossas relações. E, como a Escritura nos ensina, nossa verdadeira identidade está em Cristo, que nos chama para ser um povo santo e unido.
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